Iniciamos
o tempo da Quaresma com a imposição das cinzas sobre nossas cabeças e
ouvindo este apelo de Jesus: “convertei-vos e crede no Evangelho!” Estas
palavras, que indicam um inteiro programa de vida, ressoam de maneira
forte no início deste período litúrgico, durante o qual nos preparamos
para celebrar a Páscoa.
Já aderimos a Deus, pelo Batismo, mas temos a necessidade de ouvir
sempre de novo este apelo para nos voltarmos a Ele, pois as “distrações”
da vida, que não são poucas, nos levam a esquecer de Deus e a nos
afastar de seus caminhos. Esse é um tempo especialmente favorável para o
retorno a Deus, de todo o coração, mediante a escuta de sua palavra, a
oração, a penitência e a invocação de sua misericórdia.
No Evangelho da Quarta-Feira de Cinzas, Jesus aponta para três
atitudes religiosas, que podem acabar desviadas e, por isso, não ser
mais do agrado de Deus (cf Mt 6,1-6.16-18). Na Quaresma nos exercitamos
na revisão de vida e na conversão nas nossas práticas religiosas, para
que elas não sejam apenas manifestações formais e exteriores de
religiosidade – “para serem vistos pelos homens” – mas sejam a expressão
de uma vida que se volta sinceramente para Deus.
“Quando deres esmola, não toques a trombeta diante de ti” (Mt 6,2).
Dar esmola significa, mais amplamente, toda a caridade para com o
próximo. Evidentemente, a justiça precede a caridade e esta vai além da
justiça: a Igreja incentiva a exercitar-nos em ambas. A palavra de Jesus
aponta para a reta intenção na caridade: que não seja praticada em
vista de compensações imediatas, pois nem seria caridade, mas troca de
favores. A Caridade precisa ser sincera, desapegada e generosa. Feita
assim, ela não instrumentaliza o pobre ou a pessoa necessitada e agrada a
Deus.
Durante a Quaresma, a Campanha da Fraternidade indica um desafio
específico para nos exercitarmos na caridade; neste ano, é a questão da
saúde pública. Somos chamados a unir esforços para que o bem da saúde
esteja ao alcance de todos; e que haja políticas públicas adequadas a
promover esse bem para todos. Mas, de maneira muito concreta,
exercitemo-nos nas atenções e cuidados para com os doentes que estiverem
perto de nós. Sejamos fraternos em relação a eles, especialmente aos
que têm maiores privações e sofrimentos. A caridade, durante a Quaresma,
exercita-se também pela prática da obras de misericórdia - corporais e
espirituais.
“E quando orardes, não sejais como os hipócritas” (Mt 6,5). Jesus
alerta para a oração mal-feita - “para serem vistos pelos homens”. Tal
oração teatral não é homenagem a Deus, mas visa a própria homenagem. Não
agrada a Deus. Oração boa é feita com fé sincera, humildade e confiança
em Deus. Deus despreza a oração do soberbo, do orgulhoso e do
auto-suficiente. A Quaresma, de vários modos, nos convida a uma revisão
do nosso modo de rezar, a rezar mais e melhor; na oração verdadeira
buscamos a Deus e a sintonia com Ele. Jesus rezou e nos ensinou a rezar;
quando o cristão fica sem rezar, vai se distanciando de Deus, até se
sentir um estranho diante d’Ele.
“E quando jejuardes, não fiqueis com o rosto triste, como os
hipócritas” (Mt 6,16). Como já haviam feito os profetas, Jesus também
denuncia o jejum feito como encenação, só para que os outros vejam...
Isso não comove a Deus, nem muda o coração humano para melhor. Jejum é
toda forma de penitência, mediante a qual nos abstemos de algo para ser
oferecido em homenagem a Deus e em benefício do próximo. No jejum
experimentamos os nossos limites e que a saciedade do estômago e dos
sentidos não é tudo na vida: “não só de pão vive o homem, mas de toda
palavra que sai da boca de Deus”. Praticar o jejum ainda tem sentido em
nosso tempo? Certamente que sim! A Igreja recomenda que o façamos com
assiduidade durante a Quaresma, prescrevendo dois dias de jejum para
serem observados por todos os que estão aptos a fazê-lo: a Quarta Feira
de Cinzas e a Sexta Feira Santa.
O jejum verdadeiro deve ser acompanhado pela mortificação dos
sentidos, mesmo quando se trata de coisas boas e lícitas; a busca quase
obsessiva de prazeres e satisfações dos sentidos pode iludir-nos e levar
a pensar que todo o sentido da vida consiste em buscar e alcançar esses
bens, esquecendo de procurar o Bem Supremo com todo o empenho. Não
devemos nunca perder de vista que, antes e acima de tudo, é preciso
buscar o Reino de Deus e a sua justiça”.
Fica o convite: durante a Quaresma, exercitemo-nos na esmola, na
oração e no jejum. Se forem feitos bem, esses exercícios ajudam na nossa
conversão maior e mais profunda a Deus.
Publicado no jornal O SÃO PAULO, edição de 23/02/2012
Arcebispo de São Paulo
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